Durante muito tempo eu convivi com as expressões “filhos da luz” e “filhos das trevas”. Os filhos das trevas eram aqueles que não faziam parte do nosso segmento religioso. Eu acreditava piamente em tudo isso. Cresci ouvindo que éramos o remanescente de Deus na terra e que nossa grande missão seria trazer todos os demais para a luz. Era algo como a “doutrina da porta fechada”, isto é, para ter acesso aos céus seria necessário primeiro passar pelos portais da nossa igreja aqui na terra.
Reconheço que de algum tempo para cá as orientações eclesiásticas mudaram. Já se ouve dizer que “filhos da luz” são todos aqueles que vivem de forma cônscia e correta com base na luz recebida. Em outras palavras: as pessoas serão julgadas de acordo com a luz que receberam. Permanece ainda o ranço: a verdade plena está conosco (nossa denominação) e precisamos levar a luz verdadeira (por ser completa) ao mundo!
Sempre considerei isso como sintoma contraditório. Não seria melhor deixar as pessoas apenas com a luz que já possuem? Aumentar a luz não aumentaria o grau de dificuldade para chegar aos céus? As pessoas não serão julgadas de acordo com a luz recebida? Só que “os filhos da luz” sempre têm um argumento para refutar as perguntas anteriores: “As pessoas serão julgadas pela luz que receberam e também pela luz que, por negligência, deixaram de receber” e mais: “Nós, portadores de maior luz, seremos julgados pela luz recebida e pela luz que deixamos de transmitir (ou que transmitimos)...” Não parece algo estonteante? É como se houvesse uma necessidade premente de aumentar a dificuldade de acesso às mansões celestiais.
Parei de pensar nisso tudo ao reestudar a origem dos movimentos cristãos, especialmente a partir do século II depois de Cristo. Quem se aventurar por lá, lendo de tudo e sem preconceito, retornará ao século XXI com mais convicção e menos (ou nenhuma) alienação. Importante: partindo do pressuposto de que o Cristianismo é a religião que promove a verdadeira salvação, certamente o reestudo mostrará ao diligente pesquisador que a salvação a ser alcançada é, forçosamente, diferente daquela que tem sido apresentada pelos conglomerados religiosos. Há que se incluir, claro, até mesmo a instituição na qual fomos doutrinados.
Retornaremos a esse ponto com mais subsídios. Por hora paro aqui, mas não sem antes narrar um episódio que aconteceu comigo:
Fui visitar um cliente em sua empresa. Era um depósito enorme, com muitos funcionários. O restaurante interno tinha capacidade para atender metade dos operários e por esse motivo os almoços eram servidos em duas ocasiões distintas.
Convidaram-me para almoçar e lá chegando reparei na cozinheira chefe. Ela cantarolava o tempo todo. Informaram-me que era uma senhora de vida sofrida, mas que estava sempre alegre e transmitindo otimismo no ambiente de trabalho.
Depois do almoço ela se aproximou e perguntou se eu era “crente”. Eu lhe disse que tinha crescido à luz da doutrina protestante e nominei minha igreja. Ela me convidou para uma conversa ali mesmo, num canto do refeitório. Falamos bastante. Ela discursou sobre sua denominação, sua dificuldade na vida e na esperança da salvação que carregava sempre na mente. Fez o que costumamos chamar de “trabalho missionário”. Eu estava sendo “evangelizado” por ela.
À despedida me disse: “irmão, vou orar por você, para que saia das trevas da sua religião legalista e venha para a luz...”
Interessante não é? Eu que sempre tinha ouvido que era um “filho da luz” tive que ouvir a insinuação de outra perspectiva e nela eu não passava de um “filho das trevas”...
Tudo isso é para resumir o enredo na seguinte assertiva: existe uma larga diferença entre religião e cultura religiosa. A cultura religiosa nos leva a esse tipo de comportamento essencialmente proselitista e discriminatório. A religião não conduz a caminhos tão tortuosos, pois se centra no homem e desconcentra-se da instituição catequizadora.
A pergunta que insta em emergir: é possível localizar pelo menos uma pessoa que tenha (somente) religião? Uma só alma que não tenha influência majoritária da cultura religiosa?
Enéias Teles Borges
Reconheço que de algum tempo para cá as orientações eclesiásticas mudaram. Já se ouve dizer que “filhos da luz” são todos aqueles que vivem de forma cônscia e correta com base na luz recebida. Em outras palavras: as pessoas serão julgadas de acordo com a luz que receberam. Permanece ainda o ranço: a verdade plena está conosco (nossa denominação) e precisamos levar a luz verdadeira (por ser completa) ao mundo!
Sempre considerei isso como sintoma contraditório. Não seria melhor deixar as pessoas apenas com a luz que já possuem? Aumentar a luz não aumentaria o grau de dificuldade para chegar aos céus? As pessoas não serão julgadas de acordo com a luz recebida? Só que “os filhos da luz” sempre têm um argumento para refutar as perguntas anteriores: “As pessoas serão julgadas pela luz que receberam e também pela luz que, por negligência, deixaram de receber” e mais: “Nós, portadores de maior luz, seremos julgados pela luz recebida e pela luz que deixamos de transmitir (ou que transmitimos)...” Não parece algo estonteante? É como se houvesse uma necessidade premente de aumentar a dificuldade de acesso às mansões celestiais.
Parei de pensar nisso tudo ao reestudar a origem dos movimentos cristãos, especialmente a partir do século II depois de Cristo. Quem se aventurar por lá, lendo de tudo e sem preconceito, retornará ao século XXI com mais convicção e menos (ou nenhuma) alienação. Importante: partindo do pressuposto de que o Cristianismo é a religião que promove a verdadeira salvação, certamente o reestudo mostrará ao diligente pesquisador que a salvação a ser alcançada é, forçosamente, diferente daquela que tem sido apresentada pelos conglomerados religiosos. Há que se incluir, claro, até mesmo a instituição na qual fomos doutrinados.
Retornaremos a esse ponto com mais subsídios. Por hora paro aqui, mas não sem antes narrar um episódio que aconteceu comigo:
Fui visitar um cliente em sua empresa. Era um depósito enorme, com muitos funcionários. O restaurante interno tinha capacidade para atender metade dos operários e por esse motivo os almoços eram servidos em duas ocasiões distintas.
Convidaram-me para almoçar e lá chegando reparei na cozinheira chefe. Ela cantarolava o tempo todo. Informaram-me que era uma senhora de vida sofrida, mas que estava sempre alegre e transmitindo otimismo no ambiente de trabalho.
Depois do almoço ela se aproximou e perguntou se eu era “crente”. Eu lhe disse que tinha crescido à luz da doutrina protestante e nominei minha igreja. Ela me convidou para uma conversa ali mesmo, num canto do refeitório. Falamos bastante. Ela discursou sobre sua denominação, sua dificuldade na vida e na esperança da salvação que carregava sempre na mente. Fez o que costumamos chamar de “trabalho missionário”. Eu estava sendo “evangelizado” por ela.
À despedida me disse: “irmão, vou orar por você, para que saia das trevas da sua religião legalista e venha para a luz...”
Interessante não é? Eu que sempre tinha ouvido que era um “filho da luz” tive que ouvir a insinuação de outra perspectiva e nela eu não passava de um “filho das trevas”...
Tudo isso é para resumir o enredo na seguinte assertiva: existe uma larga diferença entre religião e cultura religiosa. A cultura religiosa nos leva a esse tipo de comportamento essencialmente proselitista e discriminatório. A religião não conduz a caminhos tão tortuosos, pois se centra no homem e desconcentra-se da instituição catequizadora.
A pergunta que insta em emergir: é possível localizar pelo menos uma pessoa que tenha (somente) religião? Uma só alma que não tenha influência majoritária da cultura religiosa?
Enéias Teles Borges
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