domingo, 30 de janeiro de 2011

Sem igreja, graças a Deus!

Entendi o que significa ser cristão no dia que resolvi não frequentar mais assiduamente nenhuma igreja. Respeito quem faz tal opção, mesmo porque já fui um deles. Mas quis a Vida que eu, talvez precocemente, percebesse que esta vida não é para mim.

Igreja, culto, reunião, comunidade, grupo alternativo, congregação... Estou cheio de tudo isso. Quando me convidam pra “pregar” ou ministrar alguma aula de teologia ou história da igreja vou com prazer, alegria e gratidão, e procuro fazer o melhor que posso. Mas, por favor, não me chame para fazer parte, nem me venha com aquela conversinha de que lá aonde você vai a coisa é diferente, o pregador é atualizado, moderninho, prega como se estivesse conversando informalmente, traz uma palavra bem diferente daquela tradicional. Não, por favor, mil vezes não!

É engraçado quando alguém me convida pra pregar ou lecionar! O fulano não resiste a tentação e faz aquela "bendita" pergunta: __de que igreja você é? Na hora, só pra deixá-lo feliz, eu dou uma resposta. Digo: __sou da igreja tal. Ou então respondo: __frequento, quando possível, o grupo tal. Mas hoje tomei uma decisão! Quando me fizerem tal pergunta, responderei pura e simplesmente a verdade: __não sou de lugar algum!

Aliás, farei questão de complementar: “__não faço parte de nenhuma igreja, comunidade, grupo ou o que quer que seja, porque entendo que ser cristão – que é o que eu sou – corresponde a não pertencer a nenhuma instituição religiosa."

Para mim, quem faz parte de uma igreja, paróquia, comunidade, grupo, encontro... não é mais ou menos cristão do que eu por causa disso.

Pra que serve a instituição religiosa? Pra várias coisas, dentre as quais:

- para sustentar seu líder, bispo, mentor, pastor, apóstolo, padre... pelo simples fato dele ter achado que Deus lhe escolheu para aquilo – há exceções, raras, mas há, pois há pastores que trabalham para colocar dinheiro dentro de casa;

- para fazer com que pessoas que conseguem reduzir sua vida com Cristo àquilo tudo, continuem praticando sua fé;

- para se afirmar como aquela que conseguiu encontrar o verdadeiro significado do Evangelho mais que qualquer outra instituição autodenominada cristã;

- para alimentar as esperanças e a fé de pessoas que ainda não perceberam que ser cristão significa ter comunhão sem ter de fazer parte de uma empresa com CNPJ, com nome fantasia de igreja;

- para manter aquela equivocada ideia de que Ceia se reduz a um ritual com um pedacinho de pão e a dois dedos de vinho – quando não é suco de uva. Ainda tem gente, inclusive, que briga por causa dessa bobagem – sendo que Ceia, de fato, era um grande banquete, mas que se tornou ritual quando não era interessante que os pobres participassem do banquete;

- para arrogantemente dizer ao ser humano o que ele pode ou não pode fazer;

- para ser, quando metida a liberalzinha, o refúgio daqueles que não mais se enquadraram num contexto muito conservador e moralista.

Cansei disso! Aos domingos à tarde quero ficar com minha família, quero ver futebol, quero ir ao cinema, quero ler um bom livro – com certeza muito melhor do que ter de me sacrificar ouvindo estes sermões deprimentes pregados por pastores tão exclusivistas e despreparados como os dos nossos dias –, quero ouvir uma música que eu goste, quero beber uma cerveja bem gelada, quero dormir e descansar suficientemente porque tenho de trabalhar na segunda-feira, quero amar minha esposa – entenda o que quiser com a palavra “amar” –, quero ir ao parque, quero ir à sorveteria, quero ouvir e contar piadas, quero fazer qualquer coisa que me seja saudável que não seja sentar a bunda numa cadeira de igreja para seguir aquele mesmíssimo ritual: cantar uns 40 minutos, colocar uma grana no envelopinho, ouvir os avisos – no meio ou no final – e ouvir uma “pregação” com a ilusão de que quem está falando por meio daquele sujeito é o Deus Criador dos Céus e da Terra.

Para mim, ser cristão é ser sem igreja, sem comunidade, sem paróquia, sem grupos, sem reuniões religiosas – ainda que com cara de grupo de cristãos desinstitucionalizados... Eu cansei dessa papagaiada! Há alguns que eu amo que ainda se encontram nessa vida de dependência, são meus amigos e sempre serão, e que se sentem bem – ainda que iludidos, na minha opinião – por deixarem de fazer tantas coisas boas que o Eterno deixou para fazermos, e preferem ir a um lugar no qual eles acreditam que Ele esteja falando com eles.

Gente! Ser cristão sem igreja, isso sim é ter liberdade em Cristo! É ter compromisso com o próximo sem ter de levantar bandeira religiosa alguma. Aliás, é entender que ser cristão não significa estar levantando uma bandeira da verdade, mas é apenas ter optado por uma dentre tantas bandeiras que se levantadas do modo certo, conseguem praticar o mesmo bem a todo e qualquer ser humano.

Para mim, se Jesus não tiver existido, a vida perde o sentido, contudo, para outros a existência histórica de Jesus não faz a menor diferença. Tal pessoa não é menos feliz que eu por causa disso. Aliás, ela até pode ter encontrado o real sentido da vida antes de mim, mesmo que nunca venha conhecer a mensagem de Jesus.

Portanto, se alguém me perguntar a partir de hoje: __Você é cristão? Eu responderei: __sim! E se então perguntar: Então de qual igreja você é? Eu responderei: __Graças a Deus, de nenhuma!


Nota: Eis um resumo do que muitos querem, mas não possuem coragem para fazer. Faço parte do grupo dos cansados. Daqueles que se cansaram da rotina de toda semana, de repetições enfadonhas, de liturgia sem nexo e de mensagens pífias...

Enéias Teles Borges

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Inimigo do seu deus

O maior inimigo do seu deus não é o ateísmo, mas o deus do seu vizinho

Quando um ateu assevera que deus não existe, muitos religiosos ficam escandalizados e admirados com o fato de que alguém que não acredita no sobrenatural se empenhe tanto no combate à crença religiosa. Chegam a dizer que isso é pouco inteligente.

Acontece que, dentre esses mesmos religiosos, que tanto criticam a postura combatente do ateu em relação à religião, existe uma guerra ideológica em torno de seus deuses e religiões. Por exemplo: o cristão abomina os deuses do hinduismo; o hindu não entende qual é a do cristão; o budista crê numa energia cósmica, que não tem nada a ver com um deus auto-revelado; e por ai vai.

Só para citar a batalha dentro do próprio cristianismo, não faz muito tempo, católicos e protestantes se matavam na Irlanda. A história do cristianismo está manchada com o sangue derramado por cristãos matando cristãos. Hoje, a guerra entre as várias ramificações do cristianismo migrou do campo sanguinolento para o “intelectualóide”.

É comum ouvir pseudocristãos, metidos a intelectuais, chamando os mais ortodoxos de estúpidos e, em resposta a esse tipo de ofensa, cristãos fundamentalistas suplicam ao seu deus para que castigue esses hereges maldizentes lançando-os no inferno, juntamente com pagãos e ateus.

A confusão é tremenda.

Por definição, cristão é alguém cuja vida é centrada nos ensinamentos de Jesus Cristo, mas na cristandade não há conformidade de pensamento a respeito de quem exatamente foi ou é esse personagem bíblico.

Para alguns de seus sectários Jesus é o Deus encarnado; para outros ele não é Deus, mas a criatura primordial da criação; para alguns Jesus foi mais um dentre os profetas; para outros ele foi apenas um ser humano muito sábio; quem sabe ele tenha sido um missionário extraterrestre? E, assim como acontece com as religiões, existe um Jesus Cristo para cada gosto, para cada bolso e para cada nível intelectual.

Na verdade, a única diferença entre um ateu e um crente no sobrenatural é a quantidade de divindades nas quais desacreditam. O ateu não acredita em divindade alguma, enquanto o crente rejeita todas elas, menos aquela por ele idealizada.

Em suma, o ateu tem tanto direito de criticar a fé religiosa alheia, quanto o cristão tem feito com o hinduísmo, ou o católico com o protestantismo... Assim, caro leitor, como a história tem demonstrado, o maior inimigo do seu deus não é o ateísmo, mas o deus do seu vizinho.
 
 
Enéias Teles Borges

domingo, 23 de janeiro de 2011

Imaginem um mundo sem religião...

A frase acima, usada como título para esse texto, é de autoria do cantor e compositor John Lennon e é citada por a Richard Dawkins no documentário "A raiz de todo mal" e no livro "Deus um delírio", nos quais ele argumenta com fervor e eloqüência em defesa de um mundo sem ataques suicidas, sem o 11 de setembro, sem o Talibã, sem as infindáveis guerras entre judeus e palestinos, sem muçulmanos, sem cristãos, enfim, um mundo sem religião. Você é capaz de imaginar como seria esse mundo? Eu bem que tentei imaginá-lo, mas me esbarrei em algumas limitações.

Até onde consegui pesquisar, não se tem conhecimento de nenhuma cultura que seja estruturalmente não religiosa ou atéia. Com efeito, ao longo dos séculos, o ateísmo foi sempre um fenômeno escasso, minoritário, periférico. Imaginar um mundo sem religião estando inserido em um mundo essencialmente religioso requer muita abstração e criatividade, a menos que tomemos um atalho e peguemos o nosso mundo, tal qual é, e simplesmente removamos a religião dele. Essa atitude, contudo, não me parece ser a forma mais honesta de lidar com a questão, mas foi o que eu fiz (e penso que seja o que muitos façam) ao aceitar o desafio de John Lennon em sua música "Imagine".

Para muitos, o mundo seria melhor se não houvesse religião. Alguns, pela forma como se colocam, parecem ter certeza disso. Sinceramente, não sei como chegaram a essa conclusão, mas não quero aqui polemizar sobre o que me parece ser resultado de escolhas pessoais. Quanto a mim (e aqui exponho tão somente meu ponto de vista numa reflexão sabática despretensiosa), estou inclinado a crer que a religião não seja a raiz de todo o mal, porque, para mim, religião não é "causa" e sim "efeito". Conseqüentemente, sua remoção não seria suficiente para o estabelecimento de um mundo novo e melhor, já que a verdadeira causa permaneceria.

É fato inegável que sempre houve atritos, conflitos e guerras baseados em princípios religiosos. Reconheço que, em nome de Deus muitas atrocidades foram cometidas. Lembro-me agora, para citar um exemplo, das Cruzadas que, sob o pretexto de reconquistar a cidade de Jerusalém – local sagrado para os cristãos – legitimou crueldades, saques, destruições e mortes, deixando um rastro de sangue ao longo de quase dois séculos de história (1096-1272). E tudo isso conduzido sob as bênçãos da igreja e, supostamente, com a aprovação do "Senhor dos exércitos, o Deus de Israel". Confesso-lhes que, ao refletir sobre esse capítulo sombrio de nossa história, sinto-me propenso a pensar que o mundo sem religião seria melhor que este em que vivemos.

Por outro lado, admito a existência de um outro lado da experiência religiosa que me faz hesitar em colocá-la no cadafalso. São casos como o do quase desconhecido frade franciscano Maximiliano Kolbe, que se voluntariou para morrer em lugar de um pai de família no campo de concentração nazista de Auschwitz. Durante a segunda guerra mundial ele abrigou muitos refugiados, incluindo aí dois mil judeus. Relatos como esse me comovem!

A religião, no entender de especialistas, é um fenômeno "polissêmico". O que isso significa? Essa palavra, pouco usada em nosso dia-a-dia, deriva do grego "poli" (muitos) e "sema" (significado) e é empregada pelos estudiosos da religião para dizer que ela é um signo aberto, que pode assumir significados diversos de acordo com o contexto e ser usada para praticamente tudo. Em nome da religião estimulou-se a inquisição e a caça às bruxas; em nome da religião promoveu-se a arte e a poesia. Em nome da religião se mata; em nome da religião se salva. Em nome da religião, tudo pode ser justificado. É isso que os especialistas querem dizer quando se referem a ela como "polissêmica".

Quando analisamos os textos sagrados nos quais as religiões se alimentam, fica mais fácil entender esse comportamento metamórfico que as caracteriza. Tomemos o cristianismo como exemplo, apenas por ser essa a religião com a qual temos maior afinidade. Em certa ocasião, Jesus disse que não veio ao mundo para trazer paz e sim espada (leiam em S. Mateus 10:34-36). Em outro momento ele afirma o contrário. Diz ele: "bem-aventurado os pacificadores" (leiam em S. Mateus 5:9). Afirmações como essas, aparentemente conflitantes e incoerentes, abrem margem para interpretações dúbias, divergentes, contraditórias, antagônicas. Qualquer um pode se sentir no direito de invocá-las ou interpretá-las em benefício próprio ou conforme a conveniência do momento, justificando assim tanto a guerra (por motivos "nobres", sempre) quanto a paz. Atualmente, presenciamos uma explosão de novas denominações religiosas cristãs, cada uma com suas singularidades e incongruências e todas ancoradas no mesmo texto sagrado. A natureza polissêmica desse texto sagrado favorece (e até justifica) esse fenômeno bizarro.

Com base no que foi colocado até aqui, parece-me razoável presumir que a religião, por ser polissêmica, isto é, aberta e sujeita a interpretações circunstanciais e influências pessoais, pode ser usada (e de fato tem sido usada) para apoiar movimentos que promovem tanto a paz quanto a guerra, tanto a concórdia quanto o conflito, tanto a vida quanto a morte. Ora, isso me leva a concluir que a religião em si não passa de um instrumento, que pode ser usado (e de fato o é) de acordo com a habilidade de quem o domina. E em sendo um instrumento, então não pode ser "a causa" do bem ou do mal, porque não há intenção em um instrumento.

Se me permitem a comparação, o mesmo pode ser dito a respeito da ciência. Ela também é um instrumento, uma ferramenta e, como tal, seu propósito é o propósito de quem a utiliza. Há quem faça bom uso da ciência, mas há também quem não o faça. Após a segunda gerra mundial, muitos se perguntavam se ainda era possível acreditar em Deus depois de Auschwitz. Por outro lado, outros também se questionam se ainda era possível acreditar na ciência depois de Hiroshima.

Não sei se estou conseguindo ser claro, mas o que estou tentando dizer é que, assim como a ciência, a religião não deve ser tomada como a "causa" de certos males que afetam nosso mundo e concluir que, sem ela, estaríamos mais próximos do paraíso terrestre. Isso porque, no meu entender, a verdadeira causa de tais males precede a própria manifestação religiosa.

Evidentemente, o que expus aqui é apenas o "meu" ponto de vista atual. Sei que muitos discordariam dele se porventura viessem a ler o que acabo de escrever. Por isso e de antemão, registro aqui meu sincero respeito e apreciação por essas opiniões contrárias. Contudo, reafirmo o que disse e que resumo da seguinte forma:

(1) O sentimento religioso é inerente ao ser humano. Conforme disse antes, não se tem conhecimento de qualquer cultura que seja estruturalmente não religiosa ou atéia. Em sendo assim, não consigo imaginar como seria um mundo sem religião, a menos que imagine um mundo sem seres humanos. Se a religião não existisse, nós a inventaríamos, talvez com outro nome, mas com essência semelhante.

(2) Entendo que os problemas que existem na sociedade são decorrentes da natureza humana. Somos seres belicosos, sedentos de poder e essencialmente egoístas. A própria sociedade (que também é uma invenção humana) se apóia nesse nosso egoísmo (aprendemos com o tempo a impor limites a esse egoísmo em troca de um bem maior). Em sendo isso verdade, então, com religião ou sem religião, continuaríamos a ser o que somos: egoístas, violentos e ávidos por poder.

E depois de tanto falar a pergunta persiste. Hipoteticamente falando, o mundo sem religião seria melhor ou pior do que este em que vivemos?

Não me parece que seja possível responder a essa pergunta de maneira honesta. Faltam-nos elementos para análise. Podemos fazer suposições. Podemos eleger uma das opções como preferida e elencar características positivas e/ou negativas para apoiar nossa escolha, mas o fato é que só conhecemos um mundo – o mundo com religião – e o outro não passa de uma hipótese ou utopia.

Julgo importante lembrar que, na maioria dos casos, as utopias são elaboradas não com o fim de se criar um novo mundo ou uma nova sociedade e sim reformar o mundo e a sociedade em que vivemos. Em sendo assim, vale à penas considerar a proposta de John Lennon e tentar imaginar como seria esse mundo sem cristãos, muçulmanos, budistas e outros rótulos religiosos que causam tantas divisões. Talvez esse exercício nos ajude a melhorar o mundo que conhecemos, a começar por nós mesmos.

E para concluir o tema, evoco as palavras do historiador e filósofo Dr. Leandro Karnal, professor na Unicamp, em um Café Filosófico que não canso de assistir: "Volto a insistir: ateísmo ou religião não tornam o mundo pior ou melhor, apenas tornam o mundo do jeito que ele é".
 
Deixe seu comentário em "de texto em texto".
 
Nota: Mais uma vez quero indicar a página na qual o texto acima está abrigado. Trata-se de um blogue com textos claros, bem redigidos e despidos de opiniões contraditórias.
 
Enéias Teles Borges

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Fé e Tragédia

O contexto e a forma de tragédias como as que aconteceram no Rio de Janeiro, em Franco da Rocha e no sul de Minas Gerais não são mais novidade. Temos um volume grande e não tão inesperado assim e temos políticos, que vinham silenciosamente enviando o carne do IPTU para moradores de áreas de risco, agora culpando estas chuvas e sendo finalmente obrigados a pedir ou forçar a saída dos sobreviventes das áreas de risco.

O lado social, político e econômico da questão tem sido amplamente abordado pela imprensa de forma geral e haveria pouco a acrescentar. No entanto, uma perspectiva menos abordada é a do contexto religioso que envolve tragédias como esta. A pergunta chave, neste sentido, é: Qual o papel que a fé tem diante de tais tragédias? De onde as vítimas sobreviventes podem tirar forças para lidar com um recomeço tão brutal e por vezes, sem mais poder contar com aqueles que estavam ao seu lado?

Pessoas de fé afirmam que cada sobrevivente é um milagre, pois contraria todas as expectativas e as probabilidades "racionais" diante do caos e da destruição imposto às vitimas. Casos como o do pai que salvou a vida do filho mesmo estando soterrado, cavando em sua direção, abraçando-o para aquecê-lo e mantendo-o hidratado com sua própria saliva até a chegada do resgate, várias horas depois são expostos de forma emblemática para embasar esta idéia. A fé, segundo os religiosos, salvou o pai e o filho pois sem a fé, o pai teria sido inundado pela lógica probabilistica que lhe jogaria para baixo, diante de uma situação tão improvável, fazendo com que desistisse de si e do filho, perecendo ali mesmo.

Segundo o mesmo raciocínio, surge a pergunta: Como agem os ateus e os agnósticos diante de situações como esta? A quem recorrem se em nada crêem? É de uma suposta ausência a esta pergunta que os religiosos costumam fazer afirmações como a de que não existem ateus em um avião caindo. Para quem recorreriam? Darwin? Dawkins?

Infelizmente, a resposta ateísta a estas indagações, como a de que trata-se de puro instinto do sobrevivência e preservação - é vista como rude e fraca, por parte dos religiosos, por não ter a poesia, a beleza e o mistério que, embora de forma artificial, permeia a história do homem. O mistério é aquilo que nos atrai a shows de mágica, mesmo que, lá no fundo, saibamos que pode não ser mágica, mas sim um truque, uma ilusão. Optamos então por continuar acreditando, para não cair na rudeza de afirmar que toda a fé em Deus daquele pai que salvou seu filho poderia ser substituída por um pensamento como "que tenho eu a perder para não tentar"?

Essa opção pela manutenção do mistério, como se pode imaginar, não é nada racional mas é amplamente utilizada pelo simples fato de o homem agir, no fundo, mais como um animal irracional do que como a racionalidade encarnada. Se o ser humano fosse o poço de racionalidade estatística com o qual os religiosos gostam de rotular os não-religiosos (chegando a fazer afirmações irônicas como a de que a razão seria seu deus), não creio que haveriam tantos apostadores assim nas casas lotéricas ou tantas pessoas sozinhas dispostas a mudar o mundo. O instinto humano é irracional e toma decisões irracionais, como qualquer animal. Ser racional, para o homem, é um trabalho, uma labuta na qual consegue manter-se focado razoavelmente bem, desde que não haja o mínimo envolvimento emocional.

Portanto, esse lado irracional, que faz o homem decidir lutar contra aquilo que, racionalmente, não teria a menor chance, é uma ferramenta do homem para buscar seus objetivos que, em certos casos, aumenta significativamente as suas chances de sobrevivência. Chame-o de fé, chame-o de natureza humana, chame-o de providência ou como quiser. Seja qual for a verdade, as divergências a este respeito são um preço ínfimo a pagar por esta característica tão valiosa que nos faz querer descruzar os braços, apostar todas as nossas fichas e cavar enquanto for preciso.

Deixe seu comentário na fonte: (Leite com Manga Faz Mal?)
 
Nota: Recomendo a leitura dos textos postados pelo Carlos Barth. São bem coerentes, de leitura fácil e agradável.
 
Enéias Teles Borges

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O Deus de Israel

E entraram na aliança para buscarem o Senhor Deus de seus pais, com todo o coração, e com toda a sua alma; E de que todo aquele que não buscasse ao Senhor Deus de Israel, morresse; assim o menor como o maior, tanto o homem como a mulher. (2 Crônicas, 15:12-13)

O Deus Todo-Poderoso, criador do Céu e da Terra era o Deus de um povo só. O do povo escolhido: o povo de Israel. Eu, se fosse religioso, acharia isso muito, mas muito estranho mesmo. Como ateu, entretanto, percebo uma razão bem simples: o Deus da Bíblia, o Deus cristão, o Deus de Abraão e tal, foi inventado por aquele povo e eles sabiam que os outros povos já tinham seus próprios deuses, também inventados. Então, aquele seria só deles. Nada que impedisse, porém, que eles se apoderassem dos mitos já existentes nas outras religiões para criarem um “pano de fundo” para a sua divindade novinha em folha. A criação do mundo, o mito do dilúvio, o do envolvimento da divindade com uma mortal, donde nascia um “semideus”, as ideias de Paraíso e Inferno (ou Hades), tudo isso já era corrente na mitologia de outras religiões.

O que, acho eu, essa religião trouxe de novo foi “a palavra” escrita da sua divindade. Uma coletânea de textos escritos por seres humanos e atribuídos a ela. Isso parece ter dado tão certo que, tempos depois, os muçulmanos adotaram o mesmo expediente e, como fez o povo de Israel com relação a Deus, eles criaram uma “palavra” só deles, ditada pela divindade e redigida por um analfabeto. Mas para Deus, digo, para Alá nada é impossível, embora, ao que parece, ele queria por que queria transmitir sua palavra escrita em árabe e apenas em árabe. Quem quisesse ser salvo por Alá, teria que aprender esse idioma.

Além disso, esses novos crentes, os do Deus de Israel, conseguiram implementar uma estrutura de doutrinação da sua fé de um jeito totalmente novo. As crianças não teriam um contato gradual com essa nova divindade através do convívio social, da observação das tradições e através da cultura, como acontecia nos demais povos. Deus seria algo em que elas “aprenderiam” a acreditar muito antes de qualquer outra coisa. A expressão bonitinha “Papai do céu” não surgiu por acaso. É a primeira coisa que você, como eu, lembra da figura de Deus. Isso foi repetido para você à exaustão desde muito antes de você aprender a falar.

É um processo lento e trabalhoso, mas de comprovada eficácia. Uma vez que você tenha entrado nele na idade certa, não há como escapar. Fatalmente você vai acreditar em Deus, na Bíblia e em tudo o mais que lhe disserem. Mas nem todo mundo teve essa má sorte de nascer numa sociedade que se presta a aceitar, quando não incentivar, tal abuso infantil. Mas o “processo” também sabe como contornar tal problema. Apenas transmitir a crença não basta, é preciso que se prepare cada nova geração para “combater” os dissidentes.

Uma das maneiras é o que eu chamaria de “combate intelectual”. Combater argumentos em contrário com coisas do tipo:

Para quem não crê em Deus, nenhuma explicação é possível; para quem crê, nenhuma explicação é necessária!

Uma vez que as pessoas conseguem doutrinar as crianças para acreditarem que existe um Deus e que a Bíblia é a sua palavra, não vejo dificuldade em que elas consigam, também, colocar nas cabecinhas delas que isso aí é um “argumento”.

Uma outra maneira, mais prática, da qual tanto a Bíblia (como nos versos que abrem esse post) quanto o Corão trazem alguns bons exemplos em vários versículos e suras, é aquela que os muçulmanos também copiaram e da qual dão provas ao mundo de sua perícia: a imposição e divulgação da fé pela força bruta.

Ao que crê, chame de irmão; ao que não crê, chame de inimigo.
 
 
Nota: Existem versões, teorias e "n" formas de explicar a existência e inexistência de divindades. Existem aquelas que são muito coerentes e que merecem ser lidas e difundidas. O texto da página DEUSILUSÃO merece todo o tempo dedicado à sua leitura...
 
Enéias Teles Borges