sábado, 8 de dezembro de 2012

FÉ-DEMAIS-NÃO-CHEIRA-BEM

Faço uma diferenciação entre a fé-sentimento-original e a fé que se construiu dentro de sistemas de crenças religiosas. A primeira é o sentimento primal que despertou no homem primitivo quando ele olhou as estrelas e extasiou-se. Esta é puro sentimento e deslumbramento. É busca nostálgica de se religar ao todo ao se perceber ente-fragmentado. Esta fé todo ser humano tem, pois todos têm a capacidade de se maravilhar com o mistério da existência e todos, vez ou outra, percebem-se incompletos -mas não sabem muito bem o que lhes falta.

Esse sentimento original foi o berço onde se embalou o arcabouço “lógico” que pretendeu explicar os fenômenos da natureza através de crenças religiosas – o berço dos deuses!! Eram eles – os deuses – os responsáveis pela chuva, pelo florescer da relva, pelos raios e pelas tempestades. Um verdadeiro big bang de criatividade para se domesticar e explicar as forças sombrias da natureza. Ficamos dependentes dos deuses e a eles, oferecíamos dádivas e sacrifícios palas suas benesses. Essa é a fé original e a fé construída dentro de um sistema de crenças, segundo minha visão.

A fé do cotidiano é aquele tipo de fé que todo mundo também tem, senão, impossível seria viver num mundo caótico e assustador. É a fé que te faz levantar da cama de manhã e enfrentar o dia. Fé de que vale a pena viver, trabalhar, estudar, ter filhos, ter amigos e ter ideais. Essa fé do cotidiano é que te faz entrar numa condução e esperar chegar ao seu destino, por que você não pode ter a certeza absoluta que nele chegará; logo, é preciso fé, acreditar. Sem essa fé para a vida, melhor seria morrer. Parafraseando a conhecida frase do apóstolo, “sem fé é impossível viver”.

A fé religiosa evoluiu, até sofisticou-se ao aliar a razão à fé. Nasceram os complexos sistemas teológicos e o monoteísmo. Mas essa fé que se manifesta dentro de um sistema de crenças, pode ser perigosa; pode tornar-se intolerante, invasiva, autoritária, fora da realidade, patológica, doentia. Mas ao mesmo tempo, se for equilibrada, pensada, aberta, acolhedora, não moralista, que se alegra com a vida, que vive e deixa viver, que não se apossa de Deus e não se pretende ser porta-voz única da divindade, pode ser salutar, pode fazer bem à alma e a mente, se for construtora de relacionamentos e redes de solidariedade não excludentes.

O homem religioso moderno é muito semelhante ao homem primitivo. Ele ainda quer domesticar o que lhe foge ao controle. Ele quer segurança e paz e busca em Deus esse refúgio. O homem que pulou fora das cercas dos sistemas religiosos e renegou Deus, diz-se ateu. Mas este ainda conserva aquela fé original, aquele sentimento nostálgico de ser inteiro, de ser “Um com o Pai” – mesmo que este Pai agora, adquira novas faces.