Já li e ouvi de especialistas que o ser humano, diante da descoberta de um fato extremamente desagradável na vida passa por três fases: a do desespero diante da nova realidade descoberta, a da revolta porque isso está acontecendo e, diante da impossibilidade de mudar o enredo, passa para o momento da aceitação.
Passei por essas três fases na minha vida de cultura religiosa, que durante muito tempo acreditei que se tratava de religião.
Eu estava no primeiro semestre do segundo ano da faculdade de teologia, nos idos de 1983, quando comecei a me dar conta de que alguma coisa não estava muito correta. A pergunta que me fiz foi bem simples: “caso minha família fosse de outra denominação religiosa eu estaria aqui?” A resposta foi objetiva: “não, eu não estaria. É possível que eu estivesse em outra faculdade de teologia, não nessa...” Foi aí que comecei a encarar de frente a diferença entre cultura religiosa e religião.
Nos primeiros momentos (eu diria que anos) convivi com o desespero. A nova realidade aflorava de forma devastadora. Eu estava com 21 anos de idade e sozinho em minhas introspecções. Não era possível conversar com as pessoas. Certamente começariam a orar pela minha vida espiritual. Muitos diriam que eu estaria me apostatando da bendita fé. Conversar com quem? Meus pais, causando-lhes angústias? Colegas de classe, trazendo-lhes dúvidas? Professores do seminário, causando-lhes constrangimentos?
Concluí meu curso vivendo dia e noite esse enorme desespero. Não foi fácil conviver com isso, sozinho e durante muitos anos.
Em seguida veio o estado de revolta. Inicialmente contra a minha própria pessoa. Eu não conseguia me perdoar por tamanha ingenuidade! Sempre fui tido como um bom aluno e de bom raciocínio. Como fiquei tanto tempo sem enxergar o óbvio?
Minha revolta dirigiu-se à minha família. Por que em vez do ensinamento deu-me o condicionamento? Por que em vez de me ensinar a pensar induziu-me a crer via atos diariamente repetidos? Por quê?
Revoltei-me de forma violenta, dentro de mim, contra meus antigos professores. Pude constatar que vários deles estiveram ali simplesmente porque o emprego era bom. Aquelas capas de mestres eram vestes mentirosas. Muitos deles sequer acreditavam naquilo que ensinavam. Maldito o homem que confia no homem!
Revoltei-me contra tudo, mas assumi um compromisso: eu não praticaria a mesma violência contra meus futuros filhos. Eis algo que cumpri à risca...
Lembro-me de um momento quando eu tinha 12 anos de idade, isso em 1974. Eu estava meio abatido. O Brasil tinha perdido para a Holanda e para a Polônia na Copa do Mundo da Alemanha. Num culto de por de sol, numa sexta-feira, eu passei o culto inteiro de cabeça baixa, sem cantar e sem participar. Eu não tinha vontade. Depois que o culto terminou o meu pai obrigou-me a ficar com ele na sala. Constrangeu-me a ler um salmo e depois fazer uma oração. Vi nos olhos de minha mãe uma tristeza contra esse ato. Ela sempre foi mais serena quanto a esse tipo de assunto e forma repetitiva de cultos familiares vazios...
Fui para o quarto e com doze anos de idade eu assumi um compromisso de garoto: jamais faria assim com um filho meu. Estou com 46 anos de idade e mantenho, de forma firme, aquele compromisso quase pueril. Sinto-me bem assim. Sei que ensinar é diferente de condicionar.
Essa e muitas outras lembranças de minha vida vieram durante essa fase da revolta.
Recentemente encontrei-me com um dos meus antigos professores de teologia e fiz uma pergunta, sem deixar margem para embromação (afinal não sou mais seu aluno e não precisei me intimidar): “Sei que muito do que aprendi não era verdadeiro. O que quero saber é simples: quando aquelas aulas nos foram ministradas os professores sabiam que eram engodos ou, apesar dos títulos de mestres e doutores, também estavam sendo ludibriados?” Pasmem: ele me disse que de muitas coisas ele e outros não sabiam...
Hoje eu estou nos instantes finais da revolta e entrando no período (finalmente) da aceitação.
A receita que estou ministrando em minha vida é simples: a verdade está lá e é imutável. A verdade não mudará a despeito do que penso ou deixo de pensar, do que falo ou deixo de falar, do que desejo ou deixo de desejar. A verdade não mudará independentemente do que queira ou deixe de querer qualquer pessoa na face da terra!
A verdade pode até não ser aquela que muitos anelam, nem por isso deixará de ser a verdade. Eu não tenho que condicionar a verdade à minha vontade, mas devo aceitar a verdade como ela é (ou deve ser), ainda que eu não consiga vislumbrá-la em sua plenitude...
Assim vou me imiscuindo no mundo da aceitação. Nele tenho tido um pouco de sossego pois estou livre de regramentos desagradáveis. Não me preocupo com o que as pessoas pensem a respeito de minha “vida religiosa”. Até me considero num estágio superior quando me comparo com a maioria. Eu já assumi os três estágios. Sei que muitos indivíduos terão o encontro com essa realidade que me chocou. É apenas uma questão de tempo (e de coragem) para pensar de forma mais aberta...
Voltarei, muitas vezes, a esse assunto.
Enéias Teles Borges
Passei por essas três fases na minha vida de cultura religiosa, que durante muito tempo acreditei que se tratava de religião.
Eu estava no primeiro semestre do segundo ano da faculdade de teologia, nos idos de 1983, quando comecei a me dar conta de que alguma coisa não estava muito correta. A pergunta que me fiz foi bem simples: “caso minha família fosse de outra denominação religiosa eu estaria aqui?” A resposta foi objetiva: “não, eu não estaria. É possível que eu estivesse em outra faculdade de teologia, não nessa...” Foi aí que comecei a encarar de frente a diferença entre cultura religiosa e religião.
Nos primeiros momentos (eu diria que anos) convivi com o desespero. A nova realidade aflorava de forma devastadora. Eu estava com 21 anos de idade e sozinho em minhas introspecções. Não era possível conversar com as pessoas. Certamente começariam a orar pela minha vida espiritual. Muitos diriam que eu estaria me apostatando da bendita fé. Conversar com quem? Meus pais, causando-lhes angústias? Colegas de classe, trazendo-lhes dúvidas? Professores do seminário, causando-lhes constrangimentos?
Concluí meu curso vivendo dia e noite esse enorme desespero. Não foi fácil conviver com isso, sozinho e durante muitos anos.
Em seguida veio o estado de revolta. Inicialmente contra a minha própria pessoa. Eu não conseguia me perdoar por tamanha ingenuidade! Sempre fui tido como um bom aluno e de bom raciocínio. Como fiquei tanto tempo sem enxergar o óbvio?
Minha revolta dirigiu-se à minha família. Por que em vez do ensinamento deu-me o condicionamento? Por que em vez de me ensinar a pensar induziu-me a crer via atos diariamente repetidos? Por quê?
Revoltei-me de forma violenta, dentro de mim, contra meus antigos professores. Pude constatar que vários deles estiveram ali simplesmente porque o emprego era bom. Aquelas capas de mestres eram vestes mentirosas. Muitos deles sequer acreditavam naquilo que ensinavam. Maldito o homem que confia no homem!
Revoltei-me contra tudo, mas assumi um compromisso: eu não praticaria a mesma violência contra meus futuros filhos. Eis algo que cumpri à risca...
Lembro-me de um momento quando eu tinha 12 anos de idade, isso em 1974. Eu estava meio abatido. O Brasil tinha perdido para a Holanda e para a Polônia na Copa do Mundo da Alemanha. Num culto de por de sol, numa sexta-feira, eu passei o culto inteiro de cabeça baixa, sem cantar e sem participar. Eu não tinha vontade. Depois que o culto terminou o meu pai obrigou-me a ficar com ele na sala. Constrangeu-me a ler um salmo e depois fazer uma oração. Vi nos olhos de minha mãe uma tristeza contra esse ato. Ela sempre foi mais serena quanto a esse tipo de assunto e forma repetitiva de cultos familiares vazios...
Fui para o quarto e com doze anos de idade eu assumi um compromisso de garoto: jamais faria assim com um filho meu. Estou com 46 anos de idade e mantenho, de forma firme, aquele compromisso quase pueril. Sinto-me bem assim. Sei que ensinar é diferente de condicionar.
Essa e muitas outras lembranças de minha vida vieram durante essa fase da revolta.
Recentemente encontrei-me com um dos meus antigos professores de teologia e fiz uma pergunta, sem deixar margem para embromação (afinal não sou mais seu aluno e não precisei me intimidar): “Sei que muito do que aprendi não era verdadeiro. O que quero saber é simples: quando aquelas aulas nos foram ministradas os professores sabiam que eram engodos ou, apesar dos títulos de mestres e doutores, também estavam sendo ludibriados?” Pasmem: ele me disse que de muitas coisas ele e outros não sabiam...
Hoje eu estou nos instantes finais da revolta e entrando no período (finalmente) da aceitação.
A receita que estou ministrando em minha vida é simples: a verdade está lá e é imutável. A verdade não mudará a despeito do que penso ou deixo de pensar, do que falo ou deixo de falar, do que desejo ou deixo de desejar. A verdade não mudará independentemente do que queira ou deixe de querer qualquer pessoa na face da terra!
A verdade pode até não ser aquela que muitos anelam, nem por isso deixará de ser a verdade. Eu não tenho que condicionar a verdade à minha vontade, mas devo aceitar a verdade como ela é (ou deve ser), ainda que eu não consiga vislumbrá-la em sua plenitude...
Assim vou me imiscuindo no mundo da aceitação. Nele tenho tido um pouco de sossego pois estou livre de regramentos desagradáveis. Não me preocupo com o que as pessoas pensem a respeito de minha “vida religiosa”. Até me considero num estágio superior quando me comparo com a maioria. Eu já assumi os três estágios. Sei que muitos indivíduos terão o encontro com essa realidade que me chocou. É apenas uma questão de tempo (e de coragem) para pensar de forma mais aberta...
Voltarei, muitas vezes, a esse assunto.
Enéias Teles Borges
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