sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Fé e Tragédia

O contexto e a forma de tragédias como as que aconteceram no Rio de Janeiro, em Franco da Rocha e no sul de Minas Gerais não são mais novidade. Temos um volume grande e não tão inesperado assim e temos políticos, que vinham silenciosamente enviando o carne do IPTU para moradores de áreas de risco, agora culpando estas chuvas e sendo finalmente obrigados a pedir ou forçar a saída dos sobreviventes das áreas de risco.

O lado social, político e econômico da questão tem sido amplamente abordado pela imprensa de forma geral e haveria pouco a acrescentar. No entanto, uma perspectiva menos abordada é a do contexto religioso que envolve tragédias como esta. A pergunta chave, neste sentido, é: Qual o papel que a fé tem diante de tais tragédias? De onde as vítimas sobreviventes podem tirar forças para lidar com um recomeço tão brutal e por vezes, sem mais poder contar com aqueles que estavam ao seu lado?

Pessoas de fé afirmam que cada sobrevivente é um milagre, pois contraria todas as expectativas e as probabilidades "racionais" diante do caos e da destruição imposto às vitimas. Casos como o do pai que salvou a vida do filho mesmo estando soterrado, cavando em sua direção, abraçando-o para aquecê-lo e mantendo-o hidratado com sua própria saliva até a chegada do resgate, várias horas depois são expostos de forma emblemática para embasar esta idéia. A fé, segundo os religiosos, salvou o pai e o filho pois sem a fé, o pai teria sido inundado pela lógica probabilistica que lhe jogaria para baixo, diante de uma situação tão improvável, fazendo com que desistisse de si e do filho, perecendo ali mesmo.

Segundo o mesmo raciocínio, surge a pergunta: Como agem os ateus e os agnósticos diante de situações como esta? A quem recorrem se em nada crêem? É de uma suposta ausência a esta pergunta que os religiosos costumam fazer afirmações como a de que não existem ateus em um avião caindo. Para quem recorreriam? Darwin? Dawkins?

Infelizmente, a resposta ateísta a estas indagações, como a de que trata-se de puro instinto do sobrevivência e preservação - é vista como rude e fraca, por parte dos religiosos, por não ter a poesia, a beleza e o mistério que, embora de forma artificial, permeia a história do homem. O mistério é aquilo que nos atrai a shows de mágica, mesmo que, lá no fundo, saibamos que pode não ser mágica, mas sim um truque, uma ilusão. Optamos então por continuar acreditando, para não cair na rudeza de afirmar que toda a fé em Deus daquele pai que salvou seu filho poderia ser substituída por um pensamento como "que tenho eu a perder para não tentar"?

Essa opção pela manutenção do mistério, como se pode imaginar, não é nada racional mas é amplamente utilizada pelo simples fato de o homem agir, no fundo, mais como um animal irracional do que como a racionalidade encarnada. Se o ser humano fosse o poço de racionalidade estatística com o qual os religiosos gostam de rotular os não-religiosos (chegando a fazer afirmações irônicas como a de que a razão seria seu deus), não creio que haveriam tantos apostadores assim nas casas lotéricas ou tantas pessoas sozinhas dispostas a mudar o mundo. O instinto humano é irracional e toma decisões irracionais, como qualquer animal. Ser racional, para o homem, é um trabalho, uma labuta na qual consegue manter-se focado razoavelmente bem, desde que não haja o mínimo envolvimento emocional.

Portanto, esse lado irracional, que faz o homem decidir lutar contra aquilo que, racionalmente, não teria a menor chance, é uma ferramenta do homem para buscar seus objetivos que, em certos casos, aumenta significativamente as suas chances de sobrevivência. Chame-o de fé, chame-o de natureza humana, chame-o de providência ou como quiser. Seja qual for a verdade, as divergências a este respeito são um preço ínfimo a pagar por esta característica tão valiosa que nos faz querer descruzar os braços, apostar todas as nossas fichas e cavar enquanto for preciso.

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Nota: Recomendo a leitura dos textos postados pelo Carlos Barth. São bem coerentes, de leitura fácil e agradável.
 
Enéias Teles Borges

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