quarta-feira, 24 de março de 2010

Adão tinha umbigo?

Adão tinha umbigo?
Enéias Teles Borges


As crianças são inteligentes. Precisam desenvolver a inteligência. Carecem ser acompanhadas nesse processo mágico. Os pais precisam ter cautela. Como permitir e favorecer o desenvolvimento da inteligência infantil sem confundir com “condicionamento”? Como canalizar a inteligência dos meninos e meninas sem incorrer na liberalidade ou na ortodoxia? Difícil não é?

Essa pergunta, tida como de origem infantil, é interessante: “pai, Adão teve umbigo?” Querem algo mais inteligente? A lógica, no mundo religioso, levaria um pai atento e corajoso a dizer: “filho, Adão não teve umbigo, ele foi criado adulto, não foi como você e eu...”. E o medo? E as perguntas que poderiam vir depois, do tipo: “pai, como foi então que eu nasci?”. Muitas vezes os pais têm medo das perguntas que virão em seqüência e fogem da primeira pergunta. Quanto medo! Que pena!

O grande auxílio que o pai deve dar ao filho é ensinar como se chegar ao caminho. Os pais querem definir o caminho. Os pais estão certos em dizer que conhecem e amam os filhos e que querem lhes oferecer o melhor. Uma coisa é oferecer outra é forçar! Há quem diga: “faço minha parte e vou junto”. Outros dizem: “vou junto, para confortar nos erros e parabenizar nos acertos, mas preciso deixar que assumam a individualidade com responsabilidade. Não posso enfiar neles a minha individualidade...” É difícil educar filhos, principalmente quando educar pressupõe exatamente isso: educar! Educação é uma coisa, condicionamento é outra. Educar é criar condições para que cada um localize o seu caminho, condicionar é impor um caminho, aquele que os pais entendem como certo. Educar é ensinar o endereço da biblioteca, mostrar como localizar os livros, e ajudar a entender os conteúdos práticos. Condicionar é indicar livros específicos e sugerir que os demais não servem...

A força da tradição tem contribuído, negativamente, para a atual situação dos jovens. Os movimentos liberalizantes também. Um não tem autoridade para mensurar o outro. Enquanto os liberais empurram os filhos para uma vida sem sustentação os ortodoxos conduzem os filhos para um comportamento pragmático.

Os resultados são ruins em ambos os casos. Filhos liberais transformam a vida num piquenique. Quando a festa acaba a anarquia ganha espaço. Filhos ortodoxos vivem numa repressão constante aos anseios naturais. Quando a repressão acaba o exagero toma conta. A pessoa reprimida tenta compensar o passado e fica mais voraz que o liberal.

Como chegar ao ponto de equilíbrio? Sugestão: não fugir da pergunta: “pai, Adão teve umbigo?” Responder perguntas assim educa os próprios educadores. A resposta a essa questão implicará em mais perguntas e mais respostas. A resposta honesta, dia após dia, é, de fato, “ensinar o moço no caminho que deve andar...”. Algo como ensinar a pescar e não entregar o peixe pronto. Algo como ensinar a procurar e não indicar o único caminho que conhece.

Somos resultados de uma educação capenga e estamos, por tradição, seqüenciando as mazelas conseguidas por herança.

As fontes das mazelas são, invariavelmente: as escolas despreparadas, os segmentos religiosos obtusos e alienantes e as famílias que não querem assumir responsabilidades.

A responsabilidade é muito grande. Implica em fazer muito. Inclusive romper com as tradições que visivelmente estão obsoletas. Os princípios são os mesmos, mas o mundo é outro. Não podemos ficar adstritos aos conceitos do século XIX nem ao liberalismo amalucado do século XX.

Precisamos responder, enquanto há tempo, à pergunta que não quer calar: “pai, Adão tinha umbigo”?

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Um comentário:

Guedes disse...

Tenho 3 filhos, uma menina de 13, menino de 10 e outro de 8 e entendo bem sobre as peculiaridades em educar filhos, mas concordo plenamente com você, ou seja, temos que ensinar os filhos a pensar, a raciocinar, sem pragmatismo, sem dogmas absurdos, sem preconceitos. Nosso maior bem é conduzi-los de uma forma que tenham consciência que dogmas, preconceitos, intolerância, ignorância, alienação, obter vantagem em tudo são as grandes mazelas deste mundo. Sei que o título deste post é ilustrativo, mas em sí já revela de cara uma fraqueza da religiosidade: carece de uma lógica, tenta entender o complexo de uma forma aparentemente simples mas que remete a mais dúvidas, a não ser que nosso cérebro tenha evoluido para nada, pois todas as religiões estão encharcadas de argumentos ilógicos e contraditórios que deveriam envergonhar seus seguidores (os inteligentes pelo menos). Voltando aos filhos, acho que o maior mal mesmo atual seja a alienação total das crianças e jovens. Basta passar numa biblioteca pública por exemplo que tenha computadores à disposição da população para pesquisas (inclusão digital) e ver o que estão fazendo, 90% com certeza estarão no orkut, 8% no MSN e talvez o restante pesquisando algo. Eu mesmo vi isto esta semana na biblioteca de nossa cidade. Deveria haver incentivo à leitura, mas de forma inteligente e não recorrendo a autores antigos como Machado de Assis, e outros que possuem linguagem ultrapassada e histórias "nada a ver", mas sim disponibilizando e incentivando a leitura que tenha a ver com a linguagem e realidade atual, seja ciência, arte, curiosidades, gibis etc... O importante é ler, mas sem traumatizar com conteúdos bizarros. Nunca me esqueço de ter lido "Triste fim de policarpo quaresma" quando tinha 9 anos de idade. Quase fui expulso da classe por contestar a obrigatoriedade de ler este tipo intragável de livro. Até para um adulto (normal) esses autores são insuportáveis.
Mudando de enfoque, um exemplo legal de educação não condicionada: Meus filhos a uma certa altura me perguntaram a que time deveriam torcer, expliquei a eles que devessem por eles mesmos analisarem o desempenho dos times, estudarem os jogadores e suas atuações e decidirem. Talvez tenha feito isso por não torcer para time algum, mas mesmo quem torça, deveriam dar esta liberdade para os filhos, é um grande exemplo de "descondicionamento", de liberdade de pensar.