Você diria a verdade?
Enéias Teles Borges
Imaginemos a seguinte situação, ocorrida em séculos passados, numa época em que a comunicação era precária. Ao final pergunte a você mesmo: eu diria a verdade?
Um barco com várias pessoas, homens e mulheres, naufragou e os sobreviventes conseguiram chegar a uma terra próxima. Era uma ilha de razoável tamanho e com água potável. Nela seria possível sobreviver, mas as pessoas prefeririam o resgate. Muito tempo se passou e o resgate não veio.
À medida que o tempo passava algumas pessoas morreram e outras nasceram. Surgiu uma comunidade provisória. Havia atritos e alguns deles eram violentos.
Os mais antigos, com medo de uma revolta geral e que nela os mais fortes subjugassem os mais fracos, tomaram uma decisão em conselho: iriam infundir medo na comunidade. Implementariam uma esperança. O medo e a esperança serviriam para conter a violência.
Começaram a doutrinar os mais novos dizendo que um dia todos seriam resgatados e que iriam para uma terra maravilhosa. Lá não faltaria alimento e todos viveriam para sempre. Mas só os bons iriam. E mais: nem a morte impediria a ida dos bons para aquele lugar maravilhoso. As pessoas do bem seriam sepultadas num lindo cemitério e aqueles do mal seriam queimados numa fogueira.
Como saber quem era bom e quem era mau? Os antigos criaram uma norma geral e os casos que não estivessem relacionados nas regras seriam julgados pelo sábio.
Quem era o sábio? Era o escolhido. Escolhido por quem? Cada sábio ao envelhecer escolheria um discípulo. Um dia o discípulo e o sábio iriam para o outro lado da ilha (proibido para as demais pessoas) e lá o sábio iria para a terra maravilhosa e o discípulo voltaria - para ser o novo sábio.
Com o passar dos anos e a morte dos mais antigos a geração presente passou a crer em tudo aquilo que foi ensinado. A paz foi instalada. Ninguém queria perder a terra maravilhosa. Os que iam envelhecendo esperavam, pelo menos, que fossem enterrados no lindo cemitério. Ninguém queria ser queimado. Todos queriam o eterno lar.
Foi assim que os sábios conseguiram deter o caos. Medo e esperança! Imaginem se não fosse assim. Seria uma luta sem igual. O mais forte destruindo o mais fraco e o mais fraco se unindo com outros para a guerra contra o mais forte. O estado de guerra seria eterno. Isso mesmo, “eterno” enquanto durasse pois essa situação de animosidade acabaria aniquilando com a vida humana na ilha.
Já leu algo assim? É claro. Muitas vezes, não é?
Vamos ampliar o leque?
Imagine que você esteja naquela ilha e faça parte da geração presente. De tão exemplar que é acabou sendo escolhido para ser o discípulo, seria o futuro líder. O sábio estava velho. Era chegada a hora da viagem para o outro lado da ilha. Você está ansioso pois sabe o peso da responsabilidade.
Um dia o sábio lhe diz: “é hoje é agora”!
Chegando no outro lado da ilha o sábio lhe conta a verdade. Não existe terra maravilhosa. Essa tradição secular foi criada para promover e sustentar a paz na ilha. Ele diz algo perturbador: “agora cabe a você manter a paz ou promover a guerra. Tudo depende do que dirá ao povo quando retornar”.
O sábio morre e você o enterra e, por fim, toma o caminho de volta à comunidade.
Que situação! Ter que decidir por um caminho ou outro: dizer a verdade e esperar pelo caos ou continuar com a tradição e escolher o novo discípulo – futuro sábio.
Quando você chega de volta à comunidade as pessoas o esperam com festa e alegria e perguntam: “como foi que o sábio seguiu para a terra maravilhosa?”
Você é o novo sábio. As pessoas olham para você com respeito.
E aí? O que diria?
Vamos refletir?
E se tudo em nossa volta fosse uma obra de engenharia humana para preservação da espécie? Notou que sempre temos algo a temer e ao mesmo tempo algo bom a esperar? Qual a nossa verdade? Será que se a verdade for diferente dessa que cremos a sua divulgação seria o melhor caminho?
Você gosta de pensar nessas coisas? Eu não apenas gosto: eu preciso pensar dessa forma. É assim que procuro verificar a cada dia se eu sou um CONVICTO ou um ALIENADO...
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